quinta-feira, 28 de maio de 2015

Por que não eu?


Tenho lido nos grupos relacionados ao Centrinho, Bauru, SP,  depoimentos de mães e pessoas com casos de fissura palatina e lábio leporino na família. São histórias bonitas, emocionantes e repletas de agradecimentos e otimismo. Eu também tenho a minha. Não há intenção de fazer aqui um muro de lamentações, nem amargura, apenas uma catarse. Aproveito para pedir perdão aos meus outros filhos pelas longas ausências, pelos transtornos quando eu tenho que viajar ao hospital. Acreditem, o sofrimento maior é meu 
Há 20 anos vou ao Centrinho. Sempre. Meu filho já tem 25 anos, mas seu tratamento se atrasou devido às ações tomadas pelo então Presidente, Senhor Fernando Collor de Melo. Consegui, cinco anos depois ingressar no serviço do Hospital com a ajuda, a quem agradeço todos os dias de minha vida, do senhor Alencastro Pereira de Souza, ortodontista em Pará de Minas e do Senhor Deputado Eduardo Barbosa.
Nas minhas lembranças, as imagens se misturam, são muitas. Outros fatores, que não vem ao caso, potencializaram sofrimentos que prefiro, realmente esquecer. No entanto, às vezes, como agora, vêm à tona.
Naturalmente, que sou grata a tantos que me ajudaram! Naturalmente, também, que é inegável o profissionalismo e dedicação de toda a equipe do Centrinho. Se esse hospital-casa de mãe não existisse, não sei o que seria de todos nós.
Sobre o Hospital, não há mais o que falar que não seja do conhecimento de todos que são atendidos ali. Somente agradecimentos e um desejo sincero de que continuem com esse trabalho. Que Deus lhes deem força e determinação na propagação do bem e da esperança que espalham  às milhares de famílias que procuram esse Hospital. Ontem, quando estive lá, num momento de aflição e com certeza perceptível, ganhei dois sorrisos que me acalentaram: de uma funcionária, elegante no seu jaleco branco, e do senhor que rastelava a grama. Isso nos aquece por dentro e acalma o coração, dando força e coragem. Sempre é assim  — no atendimento  --- não tem distinção de espécie algum. Como no depoimento do escritor  Rubens Alves quando fala das congas azuis.  Somos iguais, somos tratados como gente, diferentemente do que acontece nos hospitais e postos de saúde desse meu Brasil que eu amo tanto. Falo do descaso, do desrespeito com o ser humano e com o dinheiro público. Dos que se aproveitam da dor do outro ou a desprezam em benefício próprio. No Centrinho, se existem problemas, e logicamente, devido à complexidade dos casos, devem existir, os usuários são poupados. O que transparece é a preocupação em melhorias no atendimento. A cada retorno encontro uma novidade. Dos moradores de Bauru, tenho um carinho especial por Dona Odete. Agradeço por ter nos acolhido em sua casa como pessoa da família, me orientando  desde a primeira  vez. Agiu comigo, uma estranha,  como uma amiga. Que esteja com Deus! 
Como ela, encontrei muitos outros. Entretanto, nesses anos todos, não reencontrei nenhuma das pessoas, paciente ou acompanhante, o que é uma pena! Mas faço desse, o tempo de agradecer a todos. Porque é muito importante aquele gesto de amizade de qualquer um, quando estamos no hospital. É  certo que de cada vez que somos chamados é mais uma etapa a cumprir para a finalização do tratamento. No entanto, não é fácil. Não é fácil ver um filho estiolado, com dores, sangrando. Ah, se nos fosse dado trocar de lugar! Se pudéssemos sentir a dor por eles!
Percebo  a aflição das mães com seus filhos. Nas mães jovenzinhas, com seus bebês, quando estão em jejum, o sofrimento é visível e atroz. Nessa hora temos que agarrar em alguma coisa para aguentar. 
Em muitas situações vi claramente a misericórdia divina. Não que eu seja merecedora, mas Ele sempre se apiedou de mim. Por vezes, em momentos de extrema aflição, em que percebia não  conseguir sozinha, pedi à Mãe Santíssima que tomasse conta do meu filho, que o cobrisse com o Seu Manto! E Ela me atendeu! Situações que se resolvem, soluções que se encontram, e até pessoas que se dispõem a nos ajudar, são manifestações do Sagrado. É um refrigério que nos alcança quando nos perguntamos “por que eu”? Fiz essa pergunta a uma amiga, Maria Helena, em Betim, sobre os desígnios, logo após o nascimento do meu filho:   — Por que eu, tão pobre, tão miserável!? E ela me respondeu:  — Se Ele te deu ele assim é porque você é capaz, é a sua missão.
Essa mesma fala ouvi de uma profissional do Centrinho no momento de minha chegada: —”Vocês foram escolhidos! São pais especiais para crianças especiais!”
Então, por que não eu? Eu, nós, vamos conseguir! Deus e Nossa Senhora nos darão forças e coragem para aguentar até o fim. Ainda vamos sofrer e chorar muito. Mas o final será com um sorriso. O mais lindo sorriso!
                                                                                        



                                                                                        Lécia Conceição de Freitas


Um comentário:

  1. Que lindo e emocionante depoimento,lendo- o me veio a mente a frase de Cora Coralina" Se for para semear, então que seja para produzir milhões de sorrisos."
    Abraço,Sônia

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