sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O Amor...O Reencontro

Durante anos esperara por aquele momento e agora ele estava ali, a poucos metros. O grande amor de sua vida, aquele por quem ela tanto chorou. Foi ele que povoou todos os seus sonhos pela vida afora, e foi por causa dele, com certeza, que seus dois casamentos não deram certo. É que ela ficava esperando que, talvez um dia, ele fosse aparecer, montado no cavalo branco, com aquele sorriso que só ele tinha. (Pelo menos para ela, o sorriso era o mais lindo.) E eles seriam muito felizes, em viagens de transatlântico pelas ilhas gregas, ou vendo o pôr do sol, de mãos dadas, em um sitiozinho, por aqui mesmo. E na cabeça dela, isso talvez pudesse acontecer ali agora, quando ela estava prestes a se encontrar com ele depois de tantos anos. Coincidentemente, aquele era o seu caminho de todos os dias. Só pode ser coisa do destino, ela conclui. O trabalho dela era ali, naquela rua, portanto, passava na ida e na volta bem defronte à casa dele. E todas as vezes lançava um olhar eloquente, embora disfarçado - afinal ele casara-se - na esperança de vê-lo e assim reviver tudo aquilo. E agora ele estava ali, prosaicamente, varrendo a porta da casa. Como num sonho ela vê, em um átimo tudo o que viveu com ele. O namoro de adolescente, as primeiras emoções... E o amor que estava lá atrás volta, com mais força até, revirando tudo. Um turbilhão de sensações a sacode inteirinha e ela só pensa em correr até ele, se atirar nesse sentimento e tomar da vida o que não teve antes. Mas existe a Razão. Em conflito ela se lembra dos filhos. Como fazer isso com eles? Num impulso ela pensa em dar meia volta, rodear o quarteirão e passar pela rua de baixo. Tinha que preparar o almoço para os filhos naquele horário ou atrasaria todo mundo. Mas ela precisa tentar, precisa daquela chance. Depois de tanto tempo, tinha que ser feliz. Certamente, os filhos entenderiam. E ela continuou a caminhar com as mãos suando, as pernas tremendo. Era um passo para frente e dois para trás. Como, de repente, esse caminho se tornou tão curto! Envergonha-se ao reconhecer que não é mais aquela mocinha. Envelheceu, não há mais curvas, está pesada. - E agora, o que fazer? A roupa, uma ajeitada, rápida, na roupa. As unhas, ele não vai nem olhar as unhas. Pelo menos estão limpas, lixadas. Por que não passei um batom quando saí?! Devia ter imaginado! Ela quase ri de si mesma, como imaginar um encontro desses?! E os cabelos?! Nenhuma escova, nada, sempre presos, achava mais prático. Ela vai lá no fundo e resgata: ele gostava de cabelos compridos! Rapidamente, solta os cabelos e penteia-os com os dedos. Como em câmera lenta ela dá os últimos passos que a separam do príncipe encantado de sua vida, da própria felicidade. O que vou dizer? Sim – “Nada mudou, não sei viver sem você” – Como na música do Roberto. Meu Deus é agora! Ele vai me ver, vai me abraçar, vamos ficar juntos e sermos felizes para sempre. Ela nem pensa no detalhe importante que é a mulher dele, com quem está casado pela lei dos homens e da Igreja. Afinal, quem se importa com isso hoje em dia? E ela passa e ele nem levanta a cabeça. Continua a varrer a porta da casa, naturalmente ajudando a esposa nos afazeres. Consegue reparar, com o canto dos olhos, os cabelos brancos, a pele do rosto enrugada, já curvado. Nem lembra aquele amor do passado. Constata que, também para ele, o tempo passou. O que é um consolo. Para na esquina para se recompor. Melhor assim, pensa. Ia dar muitos problemas. Apressa o passo, afinal o caminho é longo e o almoço está esperando. Pensa com carinho nos filhos, vive para eles. A única coisa boa que restou do traste do segundo marido. Quanto a esse amor, bem, ela sepulta de vez. Guarda as lembranças numa caixa lá no fundo da memória. Fica indecisa por um tempo, mas resolve não jogar a chave fora. É tão bom lembrar... “Tem coisas que a gente não tira do coração...” E talvez, quem sabe, um dia...

                                                                                                  Lécia Conceição de Freitas

segunda-feira, 29 de julho de 2013

ANÚNCIO

Quero informar que, embora o inverno tenha começado há pouco tempo e que ainda esteja frio, já sinto um prenúncio de primavera no ar, nesta tarde. Paro, um instante, com a minha pesquisa e vou ao quintal ouvir dois pássaros que se comunicam, alegremente, através do canto. Na verdade, não sei se posso afirmar isso. Talvez seja a luz intensa dessa tarde de sábado, esse perfume de magnólias... Talvez o canto dos pássaros, que amo tanto... (Agora, há, também, um bem-te-vi! Bem no pé de goiaba! Meu Deus, como eles cantam!) Não sei se é realmente um estado de coisas ou se é apenas meu velho coração que não se envelhece nunca e anseia por renovação!

                                                                                                                       Lécia Conceição Freitas

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Amor de Mãe

O ser humano tem uma capacidade imensa de suportar o sofrimento. Pressupondo que a morte seja o maior de todos, quando morre um idoso, naturalmente, as pessoas ligadas a ele ficam sentidas, mas com o tempo tudo passa. Se a pessoa que se vai é mais jovem , principalmente se tem filhos, o choque é mais forte. Para os filhos então, fica uma lacuna difícil de preencher. Os filhos pequenos perdem muito, e é necessário um apoio por parte dos parentes para que suportem a dor. Novamente o tempo vem amenizar o sofrimento. A vida continua e aos poucos todos se ajeitam. O que fica, sempre, é a saudade, e às vezes ensinamentos, exemplos de vida, etc. Frequentemente, nos deparamos com situações em que jovens, crianças, têm suas vidas interrompidas de formas naturais ou trágicas. E nos assombramos. Porque é contra a lógica. Pessoas deveriam viver a vida toda. Isso para uma mãe deve ser terrível. Toda mãe espera que o filho cresça e seja feliz. Aliás, a maior parte da felicidade dos pais vem da felicidade dos filhos. Mas a morte é inevitável, e isso ajuda na hora do desespero. Segundo algumas crenças, talvez até voltem a se encontrar algum dia. Sempre há um lenitivo e o tempo como um bálsamo... Não acredito, porém, ser esse o maior sofrimento que se pode infligir a uma mãe. Aquela que perde um filho para as drogas, para o mundo, sofre muito mais. A cama perfeita faz o silêncio do quarto gritar, gritar, gritar... Nessa hora toda mãe gostaria de ver a bagunça das roupas espalhadas, as meias sujas, o som irritante daquelas músicas horrorosas que os filhos gostam de ouvir. Essa mãe daria a vida para que o tempo voltasse. Segundo Kalil Gibran, em uma passagem belíssima de sua obra, nós, as mães, somos o arco que se retesa para lançarmos a flecha, pelas mãos do Arqueiro rumo ao infinito. Essa associação da missão de uma mãe com os desígnios de Deus, nos deixa ainda com mais responsabilidade quanto ao futuro de um filho. Porque os pais, pais verdadeiros, na concepção da palavra, direcionam, sempre, seus atos ações, atitudes, tudo, com o pensamento na formação do filho. O objetivo é que ele seja um Homem. A mãe, então, espera a perfeição do voo para a sua própria excelência. E se isso não acontece a dor é insuportável. É como se o peito fosse partir em estilhaços. Costuma-se ver mães sentadas em bancos nas sepulturas dos filhos. Como uma visita. A mãe sabe aonde o filho está. Mas se o filho vai embora, ela se afunda. Nem adianta esse cheiro gostoso de rosquinhas de nata assando que invade a casa. As preferidas por ele mas, ele não vai chegar. Quando um filho morre, a mãe perde o físico, o concreto. Mas, ele não foi porque quis. É natural, da própria vida. Resta o consolo de que houve um amor até o fim. Quando o filho vai embora, não. Na verdade, toda mãe espera que o filho lhe faça companhia na velhice. Porque não existe amor unilateral, ninguém ama sozinho. Todo amor pede, clama, exige. Então, quando o filho vai embora há uma negação desse amor. Uma rejeição, absoluta. A mãe ama só. Essa constatação dói mais que a própria morte. Fica a pergunta: O que foi que eu fiz? Onde foi que eu errei? Não é verdade que as mães são perfeitas, mães também erram. Contudo, não existe perdão para elas. O que fica é essa dor, esse aperto no peito, esse vago entre os braços que querem abraçar. Fica um sentimento, imensurável, desperdiçado. Eu tenho os outros filhos. E eu os amo. Mas, um é cada um. E o amor também.

                                                                                                         Lécia Conceição de Freitas

domingo, 20 de janeiro de 2013

Das coisas da terra

O mar é lindo! O mar é poderoso! O mar, eu acho, é invencível! Posso ficar tempos observando o vaivém das ondas, admirando as nuances de cores, o ribombar da arrebentação... Mas eu amo mesmo é a terra! Gosto de pegar, sentir-lhe o calor, a essência! E creio que devo ao meu pai essa ternura imensa que sinto pelas coisas da terra. Ele era analfabeto, sem perspectivas, sem esperanças. Um pobre coitado, na visão de muitos. Com certeza, morreu sem saber o sentido da própria vida. Todo o conhecimento que tinha, conseguiu com a experiência da vida, na observância das coisas. Em seus documentos constava que era lavrador e, durante a minha pequenez eu não sabia o que significava. Hoje eu sei: aquele que lavra, que ara a terra para produzir o alimento. Foi com ele que aprendi a fazer a cova e colocar os grãos. E que prazer ver as plantinhas brotando... Um lavrador consegue apurar o ouvido e escutar as sementes rasgando a terra. Lembro-me dele falando, entusiasmado, sobre a limeira que florira e depois os frutos que se anunciavam. Muito antes disso, quando levava a merenda para ele, no roçado, (eu andava léguas para encontrá-lo e só conseguia porque ia observando qual mato estava mais murcho, aonde ele tinha roçado primeiro) ele me advertia que tivesse cuidado com as jaguatiricas que ainda existiam lá em Onça de Pitangui, e com a vaca de bezerrinho novo que estava “pegando”. Que saudade! É claro que a terra não era nossa: meu pai era empregado. Eu não sabia dessas coisas. Como no livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, a pobreza era tanta que não tínhamos como alcançar a situação de explorados, de subjugados. Eu gostava de andar entre as fileiras das plantações, sentir o verde, a textura de tudo, o cheiro... O feijão, com suas florzinhas roxas, vai se enroscando em qualquer estaca, como num abraço de amor. Quando o vento bate, é lindo ver as folhas balançando, os pendões de milho... São flores. E o arroz, então? As floradas de café, parecendo véu de noiva. E tão cheirosas que os insetos vêm visitar... Para o homem da roça não há nada mais bonito . Naturalmente, gosto de ver grandes plantações, tudo tão organizado. Quando se viaja, principalmente pelo interior de São Paulo ou Triângulo Mineiro, é bonito os tabuleiros com todo tipo de cultura, com os vários tons de verde, as serras azuis lá longe...(Em São Paulo não há serras, coitados!) A riqueza do país... que não chega até ao lavrador . Feita com máquinas. Ganha-se em produtividade, e tantos outros “ades”, até inevitáveis hoje, devido à necessidade da produção de mais alimentos. Mas, perde-se em poesia. E disso posso falar. Deixem-me falar. Da poesia fina, lapidada, mansa, devagarinho. E da poesia bruta que chega aos borbotões, remexendo a vida da gente. Perdoem-me, mas não conheço nenhuma palavra, nenhuma obra, sobre grandes plantações. Conheço muitas que falam daquele solitário que vai cova por cova sulcando, com profundo respeito, a Mãe Terra. Daquele que, como meu pai, por todos os confins, observa o tempo, o clima, o espaço e atribui a Deus Misericordioso a existência de tudo, com todos os seus mistérios. Como os lavradores mexicanos que cuidam da preservação das diversas qualidades de milho que só existem lá, por ser o berço desse grão. Eles acreditam que o País só existe enquanto existir o milho. Com eles, finalmente, entendi porque meu pai ralhava comigo toda vez que eu trançava os cabelos das espigas novas ainda no pé. Como eu não tinha bonecas gostava de trançar aqueles cabelos de cores variadas, tão macios! Cada fio de cabelo é um grão de milho. A minha brincadeira não deixava a espiga vingar. Perdoe-me, meu pai. 

                                                                                                                  Lécia Conceição de Freitas
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