Durante anos esperara por aquele momento e agora ele estava ali, a poucos metros. O grande amor de sua vida, aquele por quem ela tanto chorou. Foi ele que povoou todos os seus sonhos pela vida afora, e foi por causa dele, com certeza, que seus dois casamentos não deram certo. É que ela ficava esperando que, talvez um dia, ele fosse aparecer, montado no cavalo branco, com aquele sorriso que só ele tinha. (Pelo menos para ela, o sorriso era o mais lindo.) E eles seriam muito felizes, em viagens de transatlântico pelas ilhas gregas, ou vendo o pôr do sol, de mãos dadas, em um sitiozinho, por aqui mesmo. E na cabeça dela, isso talvez pudesse acontecer ali agora, quando ela estava prestes a se encontrar com ele depois de tantos anos.
Coincidentemente, aquele era o seu caminho de todos os dias. Só pode ser coisa do destino, ela conclui. O trabalho dela era ali, naquela rua, portanto, passava na ida e na volta bem defronte à casa dele. E todas as vezes lançava um olhar eloquente, embora disfarçado - afinal ele casara-se - na esperança de vê-lo e assim reviver tudo aquilo. E agora ele estava ali, prosaicamente, varrendo a porta da casa. Como num sonho ela vê, em um átimo tudo o que viveu com ele. O namoro de adolescente, as primeiras emoções... E o amor que estava lá atrás volta, com mais força até, revirando tudo. Um turbilhão de sensações a sacode inteirinha e ela só pensa em correr até ele, se atirar nesse sentimento e tomar da vida o que não teve antes.
Mas existe a Razão. Em conflito ela se lembra dos filhos. Como fazer isso com eles? Num impulso ela pensa em dar meia volta, rodear o quarteirão e passar pela rua de baixo. Tinha que preparar o almoço para os filhos naquele horário ou atrasaria todo mundo. Mas ela precisa tentar, precisa daquela chance. Depois de tanto tempo, tinha que ser feliz. Certamente, os filhos entenderiam. E ela continuou a caminhar com as mãos suando, as pernas tremendo. Era um passo para frente e dois para trás. Como, de repente, esse caminho se tornou tão curto!
Envergonha-se ao reconhecer que não é mais aquela mocinha. Envelheceu, não há mais curvas, está pesada. - E agora, o que fazer? A roupa, uma ajeitada, rápida, na roupa. As unhas, ele não vai nem olhar as unhas. Pelo menos estão limpas, lixadas. Por que não passei um batom quando saí?! Devia ter imaginado! Ela quase ri de si mesma, como imaginar um encontro desses?! E os cabelos?! Nenhuma escova, nada, sempre presos, achava mais prático. Ela vai lá no fundo e resgata: ele gostava de cabelos compridos! Rapidamente, solta os cabelos e penteia-os com os dedos.
Como em câmera lenta ela dá os últimos passos que a separam do príncipe encantado de sua vida, da própria felicidade. O que vou dizer? Sim – “Nada mudou, não sei viver sem você” – Como na música do Roberto. Meu Deus é agora! Ele vai me ver, vai me abraçar, vamos ficar juntos e sermos felizes para sempre. Ela nem pensa no detalhe importante que é a mulher dele, com quem está casado pela lei dos homens e da Igreja. Afinal, quem se importa com isso hoje em dia?
E ela passa e ele nem levanta a cabeça. Continua a varrer a porta da casa, naturalmente ajudando a esposa nos afazeres. Consegue reparar, com o canto dos olhos, os cabelos brancos, a pele do rosto enrugada, já curvado. Nem lembra aquele amor do passado. Constata que, também para ele, o tempo passou. O que é um consolo.
Para na esquina para se recompor. Melhor assim, pensa. Ia dar muitos problemas. Apressa o passo, afinal o caminho é longo e o almoço está esperando. Pensa com carinho nos filhos, vive para eles. A única coisa boa que restou do traste do segundo marido.
Quanto a esse amor, bem, ela sepulta de vez. Guarda as lembranças numa caixa lá no fundo da memória. Fica indecisa por um tempo, mas resolve não jogar a chave fora. É tão bom lembrar... “Tem coisas que a gente não tira do coração...” E talvez, quem sabe, um dia...
Lécia Conceição de Freitas