quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Amo muito tudo isto!




...sério, quieto, feito ele mesmo, só igual a ele mesmo nesta vida. Tinha notado minha ideia de fugir, tinha me rastreado, me encontrado. Não sorriu, não falou nada. Eu também não falei. O calor do dia abandava. Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os  rios em seus lugares ensombrados. Aquele verde arenoso, mas tão moço, tinha muita velhice, muita velhice, querendo me contar coisas que a ideia da gente não dá para entender – e acho que é por isso que a gente morre. De Diadorim ter vindo, e ficar esbarrado ali, esperando meu acordar e me vendo meu dormir, era engraçado, era para se dar feliz risada. Não dei. Nem pude nem quis. Apanhei foi o silêncio dum sentimento feito um decreto: - Que você em sua vida toda por diante, tem de ficar para mim, Riobaldo, pegado em mim, sempre!... – que era como se Diadorim estivesse me dizendo. 
                                                                
                                            João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Amo muito tudo isso!

Meu quintal é achadouro de poesia...
 Lá todo poeta faz a festa...
Tem casinhas de formigas arquitetas... 
Margaridas dançando ciranda, caramanchão onde bougainville fez platibanda... 
Tem cravo apaixonada pela rosa toda prosa e florzinha de laranjeira esperando sabiá...
 Meu quintal é criadouro de sonhos... 
Tem besouros vestidos de fraques reluzentes... 
Libélulas de todas as cores de asas transparentes...   
meu quintal tem fonte que é fervedouro de poesia 
onde borboletas se banham,
tem beiral onde pardal se aninha...
meu quintal tem varais ao vento...
Tem beija-flor mensageiro que traz recado de uma flor
 para outra e conta segredo ... 
Meu quintal é assim... 
A chuva cai de mansinho para casamento de viúva 
e se faz sol, 
tem casamento de espanhol...
 A brisa passa devagarinho, faz dançar o arvoredo... 
Meu quintal não tem muro...
tem cercas onde descansam lânguidas trepadeiras... 
Lá a gente trabalha de consertar ninhos e agasalhar casulos...
 Lá a gente ouve plantas e bichinhos e fala com passarinhos... 
As trilhas do meu quintal são feitas assim... 
de terra e canto... 
de passos e compassos de canarinho e bem- te- vi...
Meu quintal é bem assim.
                                                                                                    Linda Lacerda.
            

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Bom dia!




Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre – o senhor solte em minha frente uma ideia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!.

João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Boa noite!

Ah, e o amor, esse amor!...


Sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na ideia, querendo e ajudando, mas quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois.

João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Boa tarde!

E com chuva!...
Daqui

Ah, o meu Urucuia, as águas dele são claras certas. E ainda por ele entramos, subindo légua e meia, por isso pagamos uma gratificação. Rios bonitos são os que correm para o norte, e os que vêm do poente – em caminho para se encontrar com o sol. E descemos num pojo, num ponto sem praia, onde essas altas árvores – a caraíba-de-flor-rôxa, tão urucuiana. E o folha-larga, o aderno-preto, o pau-de-sangue; o pau-paraíba, sombroso. O Urucúia,  suas abas. E vi meus Gerais! Aquilo nem era mais mata, era até florestas! Montamos direto, no Olho-d’Água-das-Outras, andamos, e demos com a primeira vereda – dividindo as chapadas – : o fla-flo de vento agarrado nos buritis, franzido no gradeal  de duas folhas altas; e sassafrazal – como o da alfazema, um cheiro que refresca; e aguadas que molham sempre. Vento que vem de toda parte. Dando no meu corpo, aquele ar me falou em gritos de liberdade. Mas liberdade – aposto – ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no dentro do ferro de grandes prisões. Tem uma verdade que se carece de aprender, do encoberto, e que ninguém, não ensina: o beco para a liberdade se fazer. Sou um homem ignorante. Mas, me diga o senhor: a vida não é uma cousa terrível? Lenga-lenga. Fomos, fomos...(ROSA, 2006, p. 306).


João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Bom dia!







...e bom domingo! Com chuva!
                                                                       
                                                                          Daqui


Quando a gente dorme, vira de tudo: vira pedras, vira flor. O que sinto, e esforço em dizer ao senhor, repondo minhas lembranças, não consigo; por tanto é que refiro tudo nestas fantasias. Dormi nos ventos. Quando acordei, não cri: tudo o que é bonito é absurdo - Deus estável.

João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

PANÔS

Passarinhos, galinhas, artes...panôs! E enfeitam!...



















Vi aqui!


Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus lugares ensombrados. Aquele verde, arenoso, mas tão moço, tinha muita velhice, muita velhice, querendo me contar coisas que a idéia da gente não dá para se entender – e acho que é por isso que a gente morre. De Diadorim ter vindo, e ficar esbarrado ali, esperando meu acordar e me vendo meu dormir, era engraçado, era para se dar feliz risada. Não dei. Nem pude nem quis. Apanhei foi o silêncio dum sentimento, feito um decreto...
(...) E, digo ao senhor como foi que eu gostava de Diadorim: que foi que, em hora nenhuma, vez nenhuma, eu nunca tive vontade de rir dele.

João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas