O mar é lindo! O mar é poderoso! O mar, eu acho, é invencível! Posso ficar tempos observando o vaivém das ondas, admirando as nuances de cores, o ribombar da arrebentação... Mas eu amo mesmo é a terra! Gosto de pegar, sentir-lhe o calor, a essência! E creio que devo ao meu pai essa ternura imensa que sinto pelas coisas da terra. Ele era analfabeto, sem perspectivas, sem esperanças. Um pobre coitado, na visão de muitos. Com certeza, morreu sem saber o sentido da própria vida. Todo o conhecimento que tinha, conseguiu com a experiência da vida, na observância das coisas. Em seus documentos constava que era lavrador e, durante a minha pequenez eu não sabia o que significava. Hoje eu sei: aquele que lavra, que ara a terra para produzir o alimento. Foi com ele que aprendi a fazer a cova e colocar os grãos. E que prazer ver as plantinhas brotando... Um lavrador consegue apurar o ouvido e escutar as sementes rasgando a terra. Lembro-me dele falando, entusiasmado, sobre a limeira que florira e depois os frutos que se anunciavam. Muito antes disso, quando levava a merenda para ele, no roçado, (eu andava léguas para encontrá-lo e só conseguia porque ia observando qual mato estava mais murcho, aonde ele tinha roçado primeiro) ele me advertia que tivesse cuidado com as jaguatiricas que ainda existiam lá em Onça de Pitangui, e com a vaca de bezerrinho novo que estava “pegando”. Que saudade! É claro que a terra não era nossa: meu pai era empregado. Eu não sabia dessas coisas. Como no livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, a pobreza era tanta que não tínhamos como alcançar a situação de explorados, de subjugados.
Eu gostava de andar entre as fileiras das plantações, sentir o verde, a textura de tudo, o cheiro... O feijão, com suas florzinhas roxas, vai se enroscando em qualquer estaca, como num abraço de amor. Quando o vento bate, é lindo ver as folhas balançando, os pendões de milho... São flores. E o arroz, então? As floradas de café, parecendo véu de noiva. E tão cheirosas que os insetos vêm visitar... Para o homem da roça não há nada mais bonito .
Naturalmente, gosto de ver grandes plantações, tudo tão organizado. Quando se viaja, principalmente pelo interior de São Paulo ou Triângulo Mineiro, é bonito os tabuleiros com todo tipo de cultura, com os vários tons de verde, as serras azuis lá longe...(Em São Paulo não há serras, coitados!) A riqueza do país... que não chega até ao lavrador . Feita com máquinas. Ganha-se em produtividade, e tantos outros “ades”, até inevitáveis hoje, devido à necessidade da produção de mais alimentos. Mas, perde-se em poesia. E disso posso falar. Deixem-me falar. Da poesia fina, lapidada, mansa, devagarinho. E da poesia bruta que chega aos borbotões, remexendo a vida da gente. Perdoem-me, mas não conheço nenhuma palavra, nenhuma obra, sobre grandes plantações. Conheço muitas que falam daquele solitário que vai cova por cova sulcando, com profundo respeito, a Mãe Terra. Daquele que, como meu pai, por todos os confins, observa o tempo, o clima, o espaço e atribui a Deus Misericordioso a existência de tudo, com todos os seus mistérios. Como os lavradores mexicanos que cuidam da preservação das diversas qualidades de milho que só existem lá, por ser o berço desse grão. Eles acreditam que o País só existe enquanto existir o milho. Com eles, finalmente, entendi porque meu pai ralhava comigo toda vez que eu trançava os cabelos das espigas novas ainda no pé. Como eu não tinha bonecas gostava de trançar aqueles cabelos de cores variadas, tão macios! Cada fio de cabelo é um grão de milho. A minha brincadeira não deixava a espiga vingar. Perdoe-me, meu pai.
Lécia Conceição de Freitas