Naquela manhã, a mãe parecia mais
preocupada. A menina aprendera a identificar os sinais. A mãe, calada, passava
a mão, seguidamente, na nuca e depois na testa. Como se quisesse tirar dali
alguma ideia, uma solução... Além disso, a menina sabia que não tinham nada
para acabar com aquela fome que lhe roía por dentro, já àquela hora da manhã.
Como ela gostaria de poder ajudar, resolver todos os problemas da mãe... Se
pudesse tirar das páginas da revista todas aquelas comidas gostosas, para ela e
os irmãos... Talvez sua mãe sorrisse... Ficava tão bonita quando sorria!...
Ela ouve a voz do irmão mais velho:
- Mãe, tô com fome...
A mãe não responde, não tem o que
responder. A menina sente raiva do
irmão. Será que ele não percebe o desespero, a angústia da mãe? Ela permanece ali no canto brincando com o
irmãozinho, enquanto observa a mãe.
De repente, a mãe se aproxima, pega
o filho menor enganchando-o no quadril e diz aos outros dois:
- Vocês peguem os dois paus do varal e
venham atrás de mim. A mãe sai,
rapidamente, com os dois filhos atrás tentando acompanhar seus passos. Depois
de algum tempo eles param e a mãe entrega o menor à filha, dizendo-lhe:
- Você fique aqui tomando conta
do seu irmão.
- O que a senhora vai fazer?
- Ali tem um pé de abóbora. Vou ver se acho alguma. Menino, pegue o pau
para me ajudar, diz ela dirigindo-se
ao filho mais velho.
- Eu não quero ajudar, tô com
medo de cobra. Olha o tamanho do
capim...
- Se não ajudar não come. A menina
ouve aquilo e pergunta:
- Mãe, eu tô ajudando, posso comer a
parte dele?
- Olha lá mãe, ela tá me insultando...diz o filho mais velho,
quase chorando.
-Todo mundo vai comer. Mas tem que ajudar, diz a mãe, apaziguadora, enquanto
vai cutucando o capim meloso para afugentar alguma cobra ou outro animal que
pudesse molestar a ela ou ao filho.
- Achei, grita a mãe, mostrando aos
filhos uma abóbora verdinha!
A filha olha, primeiro, o rosto da
mãe. A mãe está sorrindo! Vê seu rosto iluminar-se de felicidade e, então, a
menina sente vontade de abraçar aquela abóbora! Junto a esse sentimento vem a
alegria por saber que logo vão comer coisa. Aproxima-se da mãe e diz:
- Ô mãe, essa abóbora com arroz vai
ficar uma delícia, não vai, mãe?
- A gente come a abóbora
hoje. Outro dia, a gente come o arroz,
responde a mãe, enquanto voltam apressadamente. No caminho encontram o avô que
está indo para o sítio onde trabalha.
- Onde ocês tava, pergunta o avô?
- Nós fomos procurar uma abóbora, no pé que eu tinha visto, outro dia. Olha ela aqui, responde a mãe, mostrando a abóbora.
- Ô minha filha, isso não é abóbora, é uma cabaça, diz o avô.
- Não fala isso não, pai, nós não temos nada para comer. Oh, meu Deus,
desespera-se a mãe!
Nesse
momento , a menina sente tudo de uma vez, como se estivesse em um redemoinho. E
agora, como vão fazer? Percebe a decepção, o sofrimento da mãe. Queria inverter
os papeis, pegá-la no colo, acalmá-la... Como num sonho ouve a voz do avô...
- Espia aqui, filha. Tô levando o farelo pros pintinhos do patrão. Você pega um pouco, coa e apura o fubá.
Daí faz um fubá suado. Vai dar para
matar a fome.
A
menina ouve aquilo num misto de alegria e tristeza. No seu coração ela jura pra
si mesma:
- Um dia eu vou crescer, vou
trabalhar, e então nunca mais vamos sentir fome.
Pará de Minas, 26 de maio de 2010
Lécia Freitas
Esse texto, eu escrevi para um trabalho na faculdade, e relata uma passagem da minha vida. Foi uma época muito difícil, graças a Deus passou. Hoje, nos esforçamos para sermos felizes, apesar das marcas, profundas, principalmente na menina. Quem sabe algum dia consigamos esquecer.